sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Mariana


O pastor tinha-se aproximado, num desejo irresoluto de tirar da touceira a vergôntea que lhe pertencia. Não o empurrava nenhum impulso profundo. Era uma reacção de momento, sem calor verdadeiro. E como Mariana parecia uma cabra das dele, pronta a marrar às cegas contra o cão que lhe farejasse a cria, deteve os passos que dera sem convicção.
- Bem, está bem… Mais perde… - disse então, a justificar a debilidade do seu apego ao andrajoso ser a que tinha ajudado a dar vida. – És parva…
Mariana sorriu. E seguida do rebanho inteiro, lá partiu para Valongueiras, à esmola de sábado em casa do Sr. Vitorino.
- Essa mulher continua na mesma vida? – perguntou na sala a Marília, que acabara de chegar do colégio com um selo branco na virgindade.
- Pois continua…
- Pouca vergonha maior!
- Que se lhe há-de fazer?
- Tirar-lhe as crianças e metê-las num asilo.
- Deixa-te de asilos! – reprovou o Sr. Vitorino, que tivera uma meninice aperreada.
- Então chamar à ordem os responsáveis!
- Vai-lhe lá falar nisso!...
- E é que vou mesmo!
Ergueu-se cheia de zelo, e foi direita como uma heroína ao encontro do lodaçal.
Rodeada do bando, Mariana comia em paz na cozinha o caldo caridoso.
- Estás boa?
- Muito agradecida. Cá vou andando…
- Olha lá, os pais dos pequenos não tomam conta deles?
Mariana sorriu, cheia de uma inocência que a outra não entendia. E respondeu, na sua pureza:
- Saiba a menina que não têm pai… São só meus.

Extraído do livro de Miguel Torga, “Novos Contos da Montanha”.

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